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"TO THINE OWNSELF BE TRUE"

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"TO THINE OWNSELF BE TRUE"

Postado por Marco Antônio Oliveira


Ao contrário de meu amigo VR, que já dirigiu o Mercedes 2.3-16 e é dono de um gloriosamente belo M3 de primeira geração, eu nunca dirigi nenhum dos dois. Mas nem preciso para formar opinião; li o suficiente a respeito deles durante os anos para saber exatamente como são. O meu post sobre o Mercedes na verdade saiu de mais uma incursão aos sebos paulistanos na semana passada, onde comprei um bocado de revistas americanas e inglesas que, por pura coincidência, falavam dos dois carros das mais diversas formas.

Vamos rever o que disse o VR:

“...também brilhante 190 2.3. É um carro de fato também muito bacana. Dogleg, interior que transpira esportividade. Excelente. Mas eu já guiei o 2.3 e posso afirmar que perto do M3 o Mercedes é lento. Não em velocidade, em sensação. Os engates são mais lentos, o motor pede menos para girar, a suspensão é muito mais macia. Não parece te chamar pra brincar como o M3. É um outro bicho.”

Essa é exatamente a impressão geral de todo escriba gringo que já comparou os dois. O Mercedes é menos excitante, o M3 uma festa, e aparentemente bem mais veloz.

Mas olhando-se os números de desempenho, e os tempos em pista dos dois, aprende-se muito. Apesar do M3 ser realmente mais rápido, o é por uma margem ridiculamente baixa para um carro de passeio, quase irrelevante em minha opinião. O Mercedes, como bem disse Vic,parece mais lento que o BMW.


Mas é óbvio, caro leitor. Uma das coisas que me fazem gostar mais deste carro do que os novos e poderosíssimos AMG’s modernos é o fato de que o 190E podia ser esportivo, mas ainda era um Mercedes-Benz. De verdade, daqueles orgulhosos de sua tradição e de sua origem, e que a vestiam sem vergonha alguma. Ele parecia mais lento que o M3, mas na realidade, no mundo fora da pista, não era. Era menos excitante, mas menos cansativo também. O Mercedes 190, como todo Mercedes de verdade, não podia ser excitante no idioma BMW, aquela linguagem crua, sem vergonha, nervosa e orgulhosamente esportiva. Não, Mercedes dão a satisfação com uma linguagem mais madura e polida, que se revela somente quando se faz uma longa viagem a velocidades altíssimas, e com conforto suficiente para poder chegar ao destino e voltar se necessário. Carros de luxo velozes e seguros, Mercedes nas estradas, BMW’s nas pistas. Carros e caminhões, carros e motocas.

É lógico que o 190E parecia menos nervoso, era Mercedes. Volante grande, a tradicionalíssima direção de esferas recirculantes, relação de ride & handling mercediana tradicional.

Mas a imprensa internacional andava aquela época numa cruzada para que todos as carros se tornassem BMW’s, e colocava esse tipo de comportamento tradicional da Mercedes como coisa de velho, de ultrapassado e fora de moda. Não posso negar que para um entusiasta uma BMW era sempre a opção mais lógica, mas daí a colocar esta pecha nos carros de Stuttgart é demais. O único escriba a defender os Mercedes não podia ter sido outro: LJK Setright. Formando sua própria opinião, e não se importando com o que a voz uníssona da turba dizia, Setright defendia leveza nos comandos, conforto e transmissões automáticas, e apesar de parecer realmente fisicamente um velhinho ultrapassado, costumava ser o mais veloz repórter presente a qualquer lançamento, a ponto de ser sempre despachado sozinho nos carros por falta de alguém com coragem suficiente para acompanhá-lo.

Mas a turba conseguiu seu intento. A Mercedes-Benz hoje se dedica a frivolidades e marketices. O design de seus carros, antes sagrado em sua seriedade e sobriedade clássica, mas belíssima, hoje é um festival de infantilidades. Bruno Sacco, que por anos foi o guardião dessa tradição, e que costumava dizer que um Mercedes se desenhava sozinho, precisando apenas ser ajudado por seus designers, hoje deve desacreditar no que se vê. Me parece lamentável que a tradição, a aerodinâmica e a funcionalidade que antes ditavam a forma de um Mercedes-Benz tenham hoje sido jogadas no lixo para que a moda apenas dite a forma dos carros. Para mim, coisas como um CLS são uma afronta a tudo que representava a empresa de Stuttgart.

Hoje há uma horda de Mercedes-AMG que cospe fogo e enxofre, que é mais cheia de guelras e nadadeiras que um cardume de tubarões. Mais un-Mercedes, impossível.

E as coisas não andam melhores em Munique. A BMW também nunca foi uma empresa que desenhava carros com a moda em mente. Não, carros alemães, como o povo que os criava, tinham que ter sempre a função acima da forma. Mas aí veio aquele tal de Bangle...

E é por isso que a melhor coisa que aconteceu à Jaguar foi o XF: depois de anos presa ao desenho “tradicional” do XJ de 1968, a empresa notou que ela não é a Mercedes, que um Jaguar sempre representou um corpo belíssimo em primeiro lugar. Se existe uma empresa de carros de luxo e esporte que deve fazer coisas sempre mais belas, é ela. Dos SS de antes da guerra, passando pelo XK 120, E-type e XJ, a marca formou uma tradição de desenho belíssimo primeiro, carro e função em seguida. O oposto exato da Mercedes-Benz. O XF é então, independentemente de seus donos hindus, um Jaguar de verdade, de uma empresa que volta a entender o porque de sua existência.


O que nos leva a cena III, Ato I do clássico “Hamlet, o Príncipe da Dinamarca”, onde Polônio dá uma série de conselhos para seu filho, Laerte, que parte para tentar a vida longe do pai. É um texto maravilhoso, com conselhos tão úteis hoje quanto séculos atrás, quando foram colocados no papel por William Shakespeare.

Mas o conselho final é o que é relevante aqui, o que queria que os capitães da indústria entendessem como o mantra empresarial de um consultor inglês do século XVII:

“This above all: to thine ownself be true,
And it must follow, as the night the day,
Thou canst not then be false to any man.”

(Mas, sobretudo, sê a ti próprio fiel;
E segue-se disso, como o dia a noite,
que a ninguém poderás jamais ser falso.)




Fonte:
http://www.autoentusiastas.blogspot....f-be-true.html
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